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PRESENTES DE NATAL
A liberdade de brincar
com o que quisermos
Durante anos, os brinquedos foram orientados para um determinado género por preconceitos
sociais tradicionais. Está na hora de deixarmos as crianças escolherem livremente o que gostam,
sem estereótipos.
O
Natal é uma altura mágica aos olhos dos
mais pequenos. Nas cartas para o Pai Na-
tal, pedem o que os seus corações mais
desejam, esperando serem recompensados
pelo seu bom comportamento ao longo
do ano. Mas o que acontece quando um
menino pede uma boneca ou quando uma
menina pede uma bola de futebol? Estarão
os pais reticentes em presentear os seus
filhos com o que os torna mais felizes de-
vido a estereótipos que ainda existem em
relação ao género?
"Temos receio de que um menino com
uma Barbie seja gozado na escola. Ten-
demos a condicionar a escolha da crian-
ça, muitas vezes, com o simples intuito
de a proteger. Fazemo-lo porque ainda
nos encontramos, enquanto sociedade,
A MINHA SAÚDE & BEM-ESTAR
Os brinquedos não
têm género, tal como o
brincar. Por isso, neste
Natal, leia bem a carta ao
Pai Natal que os seus filhos
deixarem. Só os seus sorri-
sos valem a pena
ao fim do dia.
demasiado condicionados aos papéis de
homem e de mulher. Acabamos por ini-
bir alguns comportamentos devido a
esses papéis e tentamos levar as crianças
nessa inibição de igual forma", respon-
de Cátia Lopo, Psicóloga Clínica na Es-
cola do Sentir.
Por acharmos que as mulheres e os homens
devem ter personalidades, gostos, formas
de ser e estar diferentes na vida, é muito
comum entrarmos numa loja e vermos
claramente brinquedos direcionados para
meninas e para meninos. Contudo, "os
brinquedos, por si só, não devem ter um
género associado" e o ato de brincar é
demasiado importante para o desenvol-
vimento da criança para estar restringido
ao que a sociedade espera do seu género,
garante Sara Almeida, Psicóloga Clínica e
colega de Cátia Lopo na Escola do Sentir.
"Obrincar é sempre libertador, construtivo
e uma ponte para a autonomia e indepen-
dência. Através do brincar, a criança expe-
rimenta diversos papéis e vai, de persona-
gem em personagem, descobrindo-se e
descobrindo o mundo. O brincar tem, as-
sim, qualquer coisa de mágico, que ensina
uma criança a ser ela própria, a relacionar
-se e a crescer", afirma Sara Almeida.
Por isso, ao impormos barreiras entre o
que é para meninos e o que é para meninas,
"estamos a associar diferentes papéis aos
meninos e às meninas e a depositar dife-
rentes expectativas para o futuro de cada
"O brincar é sempre
libertador, construtivo
e uma ponte para
a autonomia e
independência" - Sara
Almeida, Psicóloga Clínica
um deles", concorda Cátia Lopo, refor-
çando que "quando um menino é impe-
dido de brincar com Barbies, estamos a
transmitir-lhe subliminarmente a men-
sagem de que brincar com Barbies não é
para meninos e que, se ele o deseja fazer,
é porque está errado".
Mas não há nada de mal em querer explo-
rar o que mais estimula a nossa imagina-
ção e a criatividade. "Enquanto um me-
nino brinca com Barbies, está a explorar,
a conhecer, a crescer e tal não significa,
em momento algum, que seja menos me-
nino por isso", diz Cátia Lopo. "A verdade
é que uma criança procura os brinquedos
que melhor se alinham com o seu mundo
interno em determinado momento e que
lhe permita elaborar a sua realidade, as
suas emoções, os seus anseios, as suas
expectativas e os seus desejos, assim, pela
fantasia", sublinha Sara Almeida. Mesmo
que a criança saiba que, provavelmente,
o seu pedido será mal recebido.
"Quando uma criança se permite ser livre
e é capaz de escolher um brinquedo que
sabe à partida - que os pais ou a socie-
dade vão rejeitar, está a ser corajosa e au-
têntica. E quando somos capazes de ser
autênticos e verdadeiros com nós próprios,
somos sempre mais felizes e mais capa-
zes", refere Cátia Lopo.
Por essa razão, os adultos não devem cor-
taras asas à imaginação dos mais peque-
nos. Devem "permitir-lhe que viva essa
experiência, que explore essa personagem,
sem receio e sem estereótipos, nunca nos
esquecendo que brincar é dos movimen-
tos mais saudáveis e promotores do de-
senvolvimento que uma criança pode ter",
conclui Isabel Almeida.
Ainda que muito precise de ser trabalha-
do, a sociedade está a caminhar cada vez
mais em direção à aceitação e à tolerância.
"Estamos a diminuir, ainda que gradual-
mente, os géneros associados aos brin-
quedos e a abrir espaço a que cada crian-
ça possa experimentar os papéis que
quiser, independentemente do seu géne-
ro", garante Cátia Lopo.